A Associação Kuendeleya – composta por jovens católicos, protestantes e muçulmanos praticantes - começou por ser uma equipa de futebol amador na praia. Depois de eu ter trabalhado no bairro Mahate, onde vivem muçulmanos pobres, com o padre Eduardo Roca na ajuda ao acolhimento de deslocados que vinham de Mocímboa e Macomia, em 2018, para Pemba, com quem também estudei ética na Universidade Católica de Moçambique, seguiu-se o ciclone Kenneth a assolar toda a província de Cabo Delgado. Demos todos uma mão.
Em 2020, com a intensidade dos ataques terroristas, estávamos nós na praia de Paquite a jogar futebol e, de repente, vimos quatro barcos cheios de pessoas. Assustados, corremos para o bairro e falamos com os policiais comunitários. Estes foram fazer a triagem e, afinal, tratava-se de deslocados internos, várias mulheres e muitas crianças. A polícia chamou-nos para ajudarmos e estivemos três dias nesse apoio. Tive, então, a ideia de pedir ajuda aos familiares e amigos de pão e açúcar para chá para distribuirmos. Intensificaram-se as chegadas: 386/427/780/1000/2980 ao dia.
Foi quando começámos a ver aparecer as ONGs, a Cáritas, a UNICEF, etc.
Não paramos. Lançamos campanha de fundos e fizemos sempre questão em apresentar contas, mostrar no facebook como era aplicada a ajuda, conversar com os doadores as necessidades concretas das pessoas que contactávamos. A cidade começou a fazer confiança em nós. Estamos a querer legalizar a associação, mas as dificuldades que nos surgem são muitas, há sempre um obstáculo... Não desistimos! A juventude de Cabo Delgado aspira a uma nova ordem que supere a pobreza e as injustiças gritantes desta sua terra e quer agir com ética, ensinando-a aos mais novos. O nosso grupo alvo são crianças, mulheres grávidas, idosos e mães em idades muito jovens, sobretudo pessoas mais vulneráveis.
Kuendeleya significa Prosseguir-Desenvolver-Continuar nas línguas nativas: muani, macua, suaíli e maconde.
- A Kuendeleya, vê como uma situação muito dramática esta crise político-militar de invasão da região norte e centro da província Cabo Delgado por quem a destrói através do horror. Todos os dias se vive uma incerteza dolorosa, sobretudo por falta de segurança e de respostas eficazes aos terroristas. Assusta viver assim.
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A Kuendeleya tem feito um duplo trabalho ou mesmo triplo:
- Ajuda psicológica e moral de escuta, acolhimento e alguma reinserção social;
- Ajuda humanitária para com as vítimas (confecção e fornecimento de refeições e de bens de primeira necessidade);
- Grande disponibilidade para ajudar os deslocados internos em vários aspetos no desembarque, contacto de familiares, criação de abrigos, etc. Ajudamos em cercas no local para poderem descansar, ou mesmo passar a dormir, nos primeiros minutos, quando chegam à cidade de Pemba, sobretudo aqueles que não tem famílias ou amigos para poder acolhe-los.
Para reinserção social, desenvolvemos sessões de formação, ensinando a fazer alguma coisa positiva, criar um pequeno negócio para sustentabilidade. Palestras sobre empreendedorismo e pequenos negócios na cidade.
Bom, neste momento, há problemas de alimentação saudável porque há milhares de crianças e mulheres, idosos vulneráveis, com desidratação e fraqueza, precisam de alimentos e também de instrumentos agrícolas para trabalharem com a terra na produção de alimentos e, quem sabe, se podem fazer uma coisa melhor, diminuir a importação.
É urgente educar o país em ética pública; temos que ter a ética como um valor fundamental para o crescimento e desenvolvimento socioeconómico, político, militar, desportivo, para poder garantir os direitos humanos aos cidadãos e o respeito, o amor, a justiça perante a vida humana. Devemos ser todos tratados como Gente.
Nós temos o propósito de atuar em sociedade, neste teatro em que estamos a viver, para a tornar mais confiável. Gostaríamos de promover formação de curta duração de ética e deontologia profissional mas sentimos muitas resistências oficiais e pouco apoio. Queremos respeito pela dignidade humana. Promovemos diálogos inter-religiosos, a Igualdade de género, a imparcialidade, a justiça e sobretudo a Paz.